Graciliano Ramos na prosa: uma reflexão sobre sua engenhosidade

Descubra como sua escrita precisa e crítica revela as complexidades da vida sertaneja e a profundidade psicológica de seus personagens.

Graciliano Ramos é celebrado como um dos grandes mestres da literatura brasileira, conhecido por sua habilidade única em esculpir a prosa com precisão e profundidade psicológica. Em suas obras, ele explora as complexidades da natureza humana e os desafios da vida sertaneja, criando uma prosa enxuta e contundente que revela muito com poucas palavras.

Leia também: Linguagem, língua e fala – afinal, qual é a diferença?

Sua engenhosidade literária vai além do estilo seco e direto, pois Graciliano tece em suas narrativas uma análise social e emocional profunda, que reverbera com autenticidade e força. Ler Graciliano Ramos é mergulhar em um universo de resistência, dor e perseverança, onde cada palavra parece escolhida a dedo para dar vida ao realismo brutal e poético de seus personagens e cenários.

Graciliano Ramos na prosa

Graciliano Ramos nasceu em 1892, na cidade de Quebrângulo, Alagoas. Realizou o ensino secundário em Maceió e, sem formação universitária, decidiu seguir a carreira jornalística. Em 1933, mudou-se para Maceió para assumir o cargo de diretor da Instrução Pública de Alagoas, período em que conheceu importantes escritores da época, como Rachel de Queiroz, Jorge Amado e José Lins do Rego.

Em 1936, pouco antes da implementação do Estado Novo, foi preso sob suspeita de atividades comunistas. Passou quase um ano na prisão, onde sofreu diversas humilhações, sendo libertado posteriormente. Após isso, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde permaneceu pelo resto da vida. Em 1953, Graciliano foi diagnosticado com câncer, falecendo pouco depois.

Entre suas obras mais importantes estão “Caetés” (1933), seu romance de estreia; “São Bernardo” (1934); “Angústia” (1936); e “Vidas Secas” (1938). Destacam-se ainda os contos de “Insônia” (1947), suas memórias em “Infância” (1945) e “Memórias do Cárcere” (1953), além de “Viagem” (1954), publicada postumamente.

Você pode Gostar Também:

Ainda que se trate de meros fragmentos, ao nos depararmos com eles, é possível perceber a vasta habilidade artística desse autor tão relevante, que soube representar de forma exemplar a condição humana em relação ao meio em que está inserida. Observemos, então:

Capítulo III

Aqui, pela primeira vez, aparece a figura do soldado amarelo, que mais tarde voltará simbolizando a autoridade do governo. Igualmente, pela primeira vez, insinua-se a ideia de que não é apenas a seca que faz de Fabiano e sua família pessoas animalizadas. Ele é preso sem qualquer motivo e torna a analisar sua situação de homem-bicho. Só que, desta vez, não tem mais coragem de sonhar com um futuro melhor. Ao fim do capítulo, temos Fabiano ciente de sua condição de homem vencido e, pior ainda, sem ilusões com relação à vida de seus filhos.

Fragmento extraído do romance “Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Ao ouvirmos o termo “pessoas animalizadas”, somos levados a refletir sobre uma condição social de origem antiga que, de maneira triste, perpetuou-se em diferentes esferas da sociedade. Essa questão oferece uma base sólida para entendermos a temática central da “prosa regionalista”, especialmente no contexto da segunda geração do Modernismo. Esse movimento literário, fortemente influenciado pelo cenário do Nordeste brasileiro, buscou expor e denunciar as condições de vida sub-humanas enfrentadas por grande parte da população, desamparada pelo descaso das autoridades políticas.

Uma reflexão sobre a engenhosidade de Graciliano Ramos na prosa (Foto: Unsplash).
Uma reflexão sobre a engenhosidade de Graciliano Ramos na prosa (Foto: Unsplash).

Nesse sentido, é possível ver evidências desses temas em passagens como: “Aqui, pela primeira vez, aparece a figura do soldado amarelo, que mais tarde voltará simbolizando a autoridade do governo.” Essa descrição ressalta a desigualdade social da época, marcada pela dinâmica entre opressor e oprimido, em que o poder se concentrava nas mãos de políticos influentes, especialmente os coronéis locais, que não hesitavam em impor punições a quem contrariasse suas vontades.

A habilidade narrativa de Graciliano Ramos é também evidente na construção de seus personagens. Com uma crítica perspicaz, ele nomeia cuidadosamente cada um deles: Sinhá Vitória, a esposa de Fabiano, cujo nome sugere “vitória”, mas que pouco tem de vitoriosa em sua realidade; e a cadela chamada Baleia, nome que remete a um animal grande e forte, mas que se encontra desnutrida e debilitada. Trechos como “Caíra-lhe o pelo, estava pele e ossos, o corpo enchera-se de chagas” mostram a condição da cadela, que Fabiano decide sacrificar para aliviar seu sofrimento. Para os filhos, a perda de Baleia é dolorosa, pois “ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam…”.

Essa abordagem revela o talento de Graciliano em trazer à tona o peso das dificuldades humanas, por meio de símbolos e personagens que refletem a realidade brutal de uma sociedade marcada pela injustiça e pelo abandono.

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.