O que foi o “Auto da Barca do Inferno” e sua importância
Entenda sua importância na literatura portuguesa e sua crítica moral e social.
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“Auto da Barca do Inferno” é uma peça teatral do dramaturgo português Gil Vicente. Nessa obra, diversos pecadores são confrontados com seu destino após a morte, sendo direcionados à barca do inferno, mesmo acreditando que deveriam seguir para o céu. A embarcação infernal é comandada pelo diabo, enquanto a barca da glória é conduzida por um anjo. Escrita no início do século XVI, a peça pertence ao movimento humanista.
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Dessa forma, combina características da tradição medieval, como a forte influência da religiosidade católica, com uma visão mais centrada no ser humano. Além disso, utiliza o humor e a sátira para criticar comportamentos sociais e morais da época.
O grande Auto da Barca do Inferno
Personagens
- Diabo
- Ajudante do Diabo
- Fidalgo
- Anjo
- Usurário
- Joane, o Parvo
- Sapateiro
- Frade
- Brísida Vaz
- Judeu
- Corregedor
- Procurador
- Enforcado
- Cavaleiro
- Outro Cavaleiro
Tempo na narrativa
“Auto da Barca do Inferno” não especifica o período exato em que a história acontece; no entanto, pelas características dos personagens e seus comportamentos, é possível afirmar que reflete a sociedade do início do século XVI, época em que foi escrita.
Espaço na narrativa
A trama se passa à margem de um rio, onde estão atracadas duas embarcações: uma destinada ao inferno e outra ao paraíso.
Resumo do enredo
“Auto da Barca do Inferno” começa com a chegada de um fidalgo à margem do rio. O Diabo o convida a embarcar em sua barca, mas ele hesita e quer saber para onde ela segue. O Diabo explica que o destino é o inferno, mas o fidalgo resiste e tenta conseguir um lugar na barca do Anjo, que leva ao paraíso. Ele argumenta que, por ser um nobre, merece um lugar na embarcação celestial; no entanto, o Anjo o rejeita, dizendo que a tirania não tem espaço no paraíso e lembrando-o de que desprezou os menos favorecidos.
Sem alternativa, o fidalgo aceita seu destino e entra na barca do inferno.
Em seguida, surge o usurário, que também deseja viajar para o céu. O Anjo, contudo, não permite sua entrada. O homem, desesperado, diz que gostaria de voltar ao mundo para buscar dinheiro, acreditando que isso lhe garantiria passagem. O Diabo, impaciente, força sua entrada na embarcação infernal.
Depois, aparece Joane, o Parvo. Diferente dos anteriores, ele é recebido com simpatia pelo Anjo, pois, apesar de sua tolice, não possui maldade. Por isso, ele embarca na barca da glória. Logo em seguida, chega um sapateiro que, em vida, enganava seus clientes. Ele tenta argumentar que frequentava missas, mas isso não o livra da condenação, sendo também enviado para o inferno.
Depois, um frade aparece acompanhado de sua amante. Ao perceber que a barca do Diabo tem como destino o fogo eterno, o frade se surpreende, pois acreditava que seu hábito religioso o protegeria da condenação. Sem alternativa, acaba sendo mais um a embarcar na barca do inferno.
Na sequência, surge Brísida Vaz, uma alcoviteira. Apesar de ter mentido e enganado muitas pessoas, acredita que será aceita na barca do paraíso. No entanto, o Anjo recusa sua entrada, e ela é forçada a seguir viagem rumo ao inferno. Um judeu aparece oferecendo dinheiro ao Diabo para que aceite um bode a bordo. O Diabo permite sua entrada, mas o coloca na parte traseira da embarcação.
Logo depois, um corregedor e um procurador chegam à margem. Ambos se surpreendem ao perceber que estão destinados ao inferno, pois, em vida, abusaram do poder e aceitaram subornos. Eles tentam argumentar com o Anjo, mas não conseguem convencê-lo e acabam embarcando na barca infernal.
Em seguida, um enforcado aparece e, sem escapatória, também embarca na barca do inferno.
Por fim, surgem quatro cavaleiros que morreram lutando contra os mouros. O Diabo tenta atraí-los para sua barca, mas o Anjo os reconhece como mártires da Igreja e os conduz à barca da glória, garantindo-lhes a salvação.
Características da obra
“Auto da Barca do Inferno”, escrita por Gil Vicente, não é dividida em atos ou cenas, sendo composta por um único ato e escrita em versos. Representa uma sátira social que critica diversos aspectos da sociedade da época, especialmente a corrupção, a hipocrisia e os vícios humanos.
A obra faz parte do movimento humanista e possui um caráter moralizante e religioso, contrastando as virtudes e os pecados. Além disso, tem um tom popular, utilizando uma linguagem acessível e, em alguns momentos, chula, com personagens que representam diferentes classes sociais e suas falhas morais.
Contexto histórico
A peça teatral “Auto da Barca do Inferno” foi escrita durante o reinado de D. Manuel I, que começou em 1495. Inserida no período do Renascimento, a obra reflete um momento de transição, em que Portugal ainda era fortemente influenciado pelo catolicismo. Dessa forma, a escrita de Gil Vicente apresenta características medievais, mas também evidencia elementos humanistas, destacando aspectos da condição humana.