Afinal, a Carta de Pero Vaz de Caminha é ou não um texto literário? Por quê?
Analise também seus elementos descritivos, subjetivos e históricos.
Considerada o “certidão de nascimento” do Brasil, a “Carta de Pero Vaz de Caminha“, escrita em 1500, é um dos documentos históricos mais importantes da literatura brasileira. Endereçada ao rei de Portugal, Dom Manuel I, o relato detalha o “achamento” do Brasil pela frota de Pedro Álvares Cabral e fornece descrições vívidas das paisagens, dos habitantes nativos e das primeiras impressões dos colonizadores sobre a nova terra.
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Carta de Pero Vaz de Caminha
Você sabia que existe um documento que pode ser considerado a “certidão de nascimento” do Brasil? Trata-se da “Carta de Pero Vaz de Caminha”, um registro histórico de extrema importância. Escrita em 1500 pelo escrivão Pero Vaz de Caminha, a carta tinha como objetivo relatar ao rei de Portugal, Dom Manuel I, as primeiras impressões dos portugueses sobre a recém-descoberta terra e seus habitantes. Além de ser o primeiro documento da história do Brasil, muitos estudiosos o consideram também o primeiro texto literário produzido em solo brasileiro.
O valor literário da “Carta” se deve ao fato de que Pero Vaz de Caminha não era apenas um escrivão comum: ele atuava como um verdadeiro “escritor-escrivão”. Em vez de se limitar a registrar os acontecimentos de maneira fria e objetiva, ele empregou uma linguagem mais elaborada, com traços de estilo literário, incluindo metáforas e descrições detalhadas que transcendem o simples relato burocrático. Ao analisar certos trechos da “Carta”, é possível perceber que ela vai além de uma narrativa funcional, revelando-se uma obra rica em expressão e estilo.
(…) Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia… muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos — terra que nos parecia muito extensa.
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé! (…)
Sendo assim, a “Carta de Pero Vaz de Caminha”, embora seja um documento histórico, também se insere no contexto da Literatura Portuguesa e possui inegável valor literário. Isso se deve ao fato de Caminha ter rompido com certas formalidades típicas de sua época, como o uso excessivo de pronomes de tratamento e a referência rígida ao rei, aproximando sua narrativa de um público mais amplo.
Sua preocupação em descrever minuciosamente a nova terra e seus habitantes revela não apenas um olhar atento e descritivo, mas também traços de subjetividade, provavelmente oriundos do deslumbramento de quem testemunha algo inédito. Mais do que um simples registro objetivo, a carta é considerada o relato mais fidedigno sobre a chegada dos portugueses ao Brasil. Diferenciando-se dos diários de viagem convencionais, o texto de Caminha incorpora características de crônica e traços estilísticos próprios da literatura de viagem do Quinhentismo, consolidando-se como uma obra singular das manifestações literárias do século XVI.