Hora literária – “Cartas chilenas”, de Tomás Antônio Gonzaga

Confira uma hora literária voltada ao arcadismo e à literatura de resistência no Brasil colonial.

Na Hora Literária de hoje, vamos mergulhar na obra Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, um dos maiores expoentes do arcadismo brasileiro. Escritas em forma de sátira, as cartas apresentam uma crítica política velada ao governo colonial, especialmente à figura do governador de Minas Gerais.

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O que são as “Cartas chilenas”?

Cartas Chilenas é uma obra atribuída ao autor luso-brasileiro Tomás Antônio Gonzaga. Fragmentos do texto começaram a circular anonimamente por volta de 1787, e apenas mais tarde sua autoria foi oficialmente ligada a Gonzaga. A obra é composta por 13 cartas escritas por um personagem chamado Critilo, que representa o próprio autor.

As cartas são endereçadas a Doroteu, pseudônimo que remete a Cláudio Manuel da Costa. Por meio dessa correspondência fictícia, Critilo faz duras críticas aos abusos cometidos por Fanfarrão Minésio – uma figura simbólica que representa Luís da Cunha Meneses, então governador da capitania de Minas Gerais. A narrativa se passa em Santiago, capital do Chile, usada como alegoria para Vila Rica (atual Ouro Preto), situada em Minas Gerais.

Análise da obra

Personagens principais

  • Critilo – narrador das cartas, representação do autor Tomás Antônio Gonzaga.

  • Doroteu – destinatário das cartas, simboliza Cláudio Manuel da Costa.

  • Fanfarrão Minésio – figura central das críticas, pseudônimo de Luís da Cunha Meneses.

  • Alvino – referência ao sargento-mor José Pereira Alvino.

  • Jelônio – Jerônimo Xavier de Sousa, que se casou com a amante do governador.

  • Macedo – contratador João Rodrigues de Macedo.

  • Marquésio – personagem que arrenda propriedades do governador.

  • Matúsio – secretário do governador, José Antônio de Matos.

  • Mévio – José Antônio de Araújo, retratado como devedor.

  • Robério – Roberto Antônio de Lima, tesoureiro favorecido por Meneses.

  • Rosinha – amante de Matúsio.

  • Silverino – crítica velada a Joaquim Silvério dos Reis.

Espaço narrativo

Embora ambientada no Chile, a obra utiliza esse recurso como alegoria: o país representa Minas Gerais e Santiago corresponde a Vila Rica. As referências à Espanha devem ser compreendidas como alusões a Portugal, enquanto a Universidade de Salamanca simboliza a Universidade de Coimbra.

Hora literária – "Cartas chilenas", de Tomás Antônio Gonzaga (Foto: Unsplash).
Hora literária – “Cartas chilenas”, de Tomás Antônio Gonzaga (Foto: Unsplash).

Narrador

Cartas Chilenas possui um narrador-personagem: Critilo. Ele narra os acontecimentos por meio das cartas dirigidas a Doroteu. Apesar de se colocar na narrativa (fazendo uso da primeira pessoa), Critilo atua como um narrador-observador, já que não participa diretamente das ações que descreve.

Enredo da obra Cartas Chilenas

A obra tem início com uma carta em que Doroteu elogia Critilo pela forma vívida e detalhada como descreve os acontecimentos relacionados ao “chileno chefe”. Ele afirma que os versos do amigo são tão bem construídos que se torna difícil distinguir entre a realidade e a representação poética. Doroteu também demonstra indignação com o regime autoritário instalado no chamado “Chile”.

No prólogo, um narrador não identificado conta que recebeu as cartas de um jovem instruído em letras humanas. Esse rapaz teria entregue os documentos como um registro crítico dos abusos cometidos por Fanfarrão Minésio, governador fictício do Chile — uma clara alusão a Luís da Cunha Meneses, que governou Minas Gerais. O narrador, então, se encarrega de traduzi-las para o português.

As treze cartas que compõem a obra são escritas por Critilo e endereçadas a Doroteu. Desde a primeira carta, o tom irônico e satírico está presente. Nela, o governante chileno é comparado a Sancho Pança e retratado com traços grotescos. O autor destaca o comportamento bajulador da elite local e apresenta o secretário Matúsio como um reflexo do caráter do próprio chefe. Também descreve o momento da posse do novo governador, marcada por confusão e reações divididas.

Na segunda carta, Critilo relata como Minésio simulava ser um homem justo e virtuoso no início de sua gestão, fazendo-se passar por devoto e defensor dos necessitados. No entanto, logo revela seu verdadeiro caráter: protege criminosos, finge ajudar viúvas e órfãos, e concede liberdade a soldados violentos, contanto que seus crimes não sejam divulgados.

A terceira carta aborda o plano do governante de erguer uma cadeia monumental, financiada com o sofrimento da população pobre. Critilo denuncia que não apenas criminosos, mas também pessoas inocentes — como devedores ou quem se recusava a prestar favores — eram acorrentadas e castigadas.

Na quarta carta, o autor descreve as péssimas condições nas quais viviam os mais de 500 prisioneiros encarcerados. Muitos dormiam no chão, mal vestidos, após exaustivas jornadas de trabalho. O governante ainda exigia que moradores locais fornecessem bois e trabalhadores escravizados para ajudar na construção da prisão, revelando mais um abuso de poder.

A quinta e a sexta cartas tratam dos festejos promovidos em celebração ao casamento do príncipe regente Dom João com Carlota Joaquina. Critilo critica os gastos excessivos e o uso indevido de recursos públicos. A sétima carta, deixada inacabada, mantém o tom de crítica às ações de Minésio.

Na oitava carta, o foco se volta para uma fazenda pertencente ao governador, alugada a um tal senhor Marquésio por um valor exorbitante, sugerindo corrupção e favorecimento pessoal. Outros atos ilícitos do governo também são mencionados, como cobranças indevidas e malversação de fundos.

A nona carta denuncia os abusos cometidos por militares protegidos por Minésio. Além de escaparem impunes, esses oficiais conquistavam seus postos por meio de suborno, não por mérito. Critilo afirma que a única lei respeitada por Minésio era sua própria vontade.

As cartas décima e décima primeira seguem detalhando irregularidades no tratamento dos devedores e a hipocrisia do governador, que, apesar de sua origem nobre, não condiz com ela em suas ações. Também são feitas insinuações sobre comportamentos imorais dentro do palácio governamental.

A penúltima carta dá continuidade às críticas, enquanto a última, incompleta, apresenta apenas alguns versos com alusões mitológicas. Nela, Minésio é mencionado de forma indireta, encerrando a obra com um tom de ambiguidade e sugestão.

Mycarla Oliveira, especialista em língua portuguesa, no portal Pensar Cursos, também detalha sobre “Hora literária – veja 5 poemas de Olavo Bilac“, considerado um dos maiores representantes do parnasianismo no Brasil, Bilac encantou gerações com sua escrita refinada.

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