Mário de Sá-Carneiro – quem foi, seu trabalho, influência e mais
Conheça sua vida intensa e marcada pela genialidade e angústia.
Mário de Sá-Carneiro foi um dos nomes mais marcantes do modernismo português, conhecido por sua escrita intensa, subjetiva e carregada de simbolismo. Amigo e colaborador de Fernando Pessoa, ele integrou a famosa geração de Orpheu, deixando uma obra repleta de inquietação existencial, explorando temas como identidade, angústia e dualidade.
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Apesar de sua curta vida, Sá-Carneiro produziu poesias e narrativas que ainda hoje influenciam escritores e estudiosos da literatura. Neste artigo, exploramos sua trajetória, principais obras e o impacto que seu estilo inovador teve na literatura portuguesa.
Quem foi Mário de Sá-Carneiro
Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa, Portugal, em 19 de maio de 1890. Aos dois anos, perdeu a mãe, e essa ausência marcou profundamente sua vida. Após a morte da esposa, seu pai, um militar da alta burguesia, optou por viajar constantemente, deixando o filho sob os cuidados dos avós, mas garantindo sua educação. Ainda jovem, Sá-Carneiro demonstrou interesse pela literatura, caminho que o levaria a se tornar um dos grandes nomes do modernismo português.
Aos 21 anos, mudou-se para Coimbra para estudar Direito na tradicional faculdade da cidade, mas não chegou a concluir o primeiro ano do curso. Foi nessa época, em 1912, que conheceu Fernando Pessoa, que se tornaria seu grande amigo e confidente. Três anos depois, em 1915, ao lado de Pessoa e outros intelectuais, como Raul Leal, Almada Negreiros e o brasileiro Ronald de Carvalho, participou da fundação da revista Orpheu. Essa publicação foi essencial para a introdução do modernismo em Portugal, rompendo com os padrões literários estabelecidos e chocando a sociedade conservadora da época. Influenciado por Pessoa, Sá-Carneiro explorou correntes de vanguarda, como o interseccionismo e o futurismo, refletindo em seus escritos uma intensa inquietação existencial.
Seus poemas e prosas são marcados por melancolia, narcisismo e uma constante sensação de frustração e abandono, sentimentos agravados pela perda da mãe. Em Paris, onde ingressou na Universidade de Sorbonne, sua vida tomou um rumo desordenado, afetando sua já delicada saúde emocional. Sem concluir os estudos, passou a se corresponder frequentemente com Pessoa, expondo em suas cartas um profundo desejo de pôr fim à própria vida. Seus escritos desse período revelam um humor oscilante, permeado por ironia e autossarcasmo.
Em 26 de abril de 1916, hospedado em um hotel na cidade francesa de Nice, Mário de Sá-Carneiro consumiu uma grande quantidade de estricnina, colocando fim à sua breve e conturbada existência. Poucos dias antes, já tomado por pensamentos suicidas, enviou a Fernando Pessoa sua última carta, deixando para trás um legado literário intenso e profundamente marcante:
Meu querido amigo.
A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas “cartas de despedida”… Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui… Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas, mas não tenho dinheiro. […]
Mário de Sá-Carneiro, carta para Fernando Pessoa, 31 de março de 1916.
Principais obras
Apesar de sua curta vida, Mário de Sá-Carneiro deixou uma produção literária marcante, que inclui poesia, contos e um romance. Suas obras exploram temas como identidade fragmentada, angústia existencial, narcisismo e o conflito entre realidade e idealização. A seguir, algumas de suas principais publicações:
- “Princípio” (1912) – coletânea de contos que evidencia sua inclinação para temas psicológicos e existenciais.
- “Dispersão” (1914) – seu principal livro de poesias, no qual explora sentimentos de solidão, frustração e desejo de transcendência.
- “A Confissão de Lúcio” (1914) – seu único romance, uma obra repleta de simbolismo e elementos fantásticos, abordando temas como loucura, ambiguidade sexual e identidade fragmentada.
- “Céu em Fogo” (1915) – coletânea de contos que reforça seu estilo marcado pelo subjetivismo e pela inquietação psicológica.
- Obras póstumas – após sua morte, Fernando Pessoa organizou e publicou escritos inéditos do autor, garantindo a preservação de sua produção literária.
Características da obra
A sua escrita é profundamente marcada pelo subjetivismo, introspecção e experimentação formal. Algumas das principais características de sua obra incluem:
- Egocentrismo e narcisismo – muitos de seus textos refletem uma busca incessante pela identidade, marcada pelo culto ao “eu” e pelo conflito entre o real e o idealizado.
- Influência simbolista e decadentista – sua linguagem é rica em metáforas, imagens densas e atmosfera onírica, evocando o simbolismo e o decadentismo europeu.
- Exploração da loucura e da desintegração da identidade – seus personagens frequentemente vivenciam crises existenciais profundas, beirando a loucura e o delírio.
- Estilo inovador e fragmentado – em sintonia com as vanguardas modernistas, sua obra apresenta uma escrita ousada, explorando múltiplas perspectivas e narrativas não convencionais.
- Angústia e pessimismo – temas como solidão, frustração e suicídio permeiam grande parte de sua produção literária.
Mário de Sá-Carneiro permanece como uma das figuras mais enigmáticas e intensas do modernismo português, deixando um legado que continua a ser estudado e admirado.