Os temidos mitos gramaticais: saiba reconhecer e combater
Aprenda a reconhecê-los e combatê-los de forma eficaz.

A gramática da língua portuguesa é cercada por regras e estruturas que muitas vezes assustam os falantes. No entanto, entre normas bem fundamentadas e usos consagrados, surgem os famosos mitos gramaticais — crenças equivocadas que se espalham e acabam confundindo estudantes, escritores e até profissionais da área. Será que começar frases com pronomes oblíquos é realmente um erro?
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Será que palavras como “menas” são sempre incorretas? E o gerúndio, deve ser evitado a todo custo? Hoje, aqui, nós vamos desvendar alguns dos mitos gramaticais mais comuns e mostrar como identificá-los e combatê-los de forma consciente e embasada.
Temidos mitos gramaticais
Muitas pessoas acreditam que expressões como “há dias atrás”, “junto com” e “a si mesmo” são erros gramaticais inaceitáveis. Alguns chegam até a defendê-las como equívocos inquestionáveis. No entanto, essa ideia não passa de um mito linguístico amplamente difundido. Quem esclarece essa questão é Gabriel Lago, professor de Língua Portuguesa e revisor de textos, conhecido por desmistificar regras inventadas e interpretações equivocadas sobre o idioma, especialmente nas redes sociais.
Em uma entrevista dada ao Clube do Português, Lago explicou por que algumas expressões consideradas erradas são, na verdade, perfeitamente legítimas e reconhecidas pelos principais gramáticos e escritores da língua portuguesa., assim, aprendemos muito com ele. O professor também abordou a polêmica em torno da construção “irá + infinitivo” no futuro, frequentemente condenada sem embasamento, e demonstrou, com exemplos até mesmo de Machado de Assis, como esse uso se sustenta na norma e na prática.
Para Lago, a melhor forma de compreender o português é recorrer a fontes confiáveis e abandonar a visão rígida do que é “certo ou errado”. Seu método de ensino incentiva o estudo direto das grandes gramáticas e obras literárias, ajudando seus alunos a perceber a riqueza expressiva da língua. Que tal conferirmos o melhor dessa entrevista?
Os mitos mais comuns da gramática
Pergunta: Você costuma abordar mitos gramaticais em suas redes sociais. Poderia citar alguns dos equívocos mais frequentes que ainda são amplamente disseminados?
Resposta: Sim, há vários! Um dos mais recorrentes é a ideia de que certas expressões são erradas sem qualquer margem para discussão. Muitos condenam construções como “há dias atrás”, “junto com”, “certeza absoluta”, “para mim, particularmente”, “a si mesmo”, “como por exemplo” e “já não mais”, acreditando que são redundantes e, portanto, incorretas.
Outra crença equivocada bastante comum é a de que o termo “onde” deve ser usado exclusivamente para lugares físicos, ou que o verbo “possuir” só pode indicar posse material, rejeitando seu uso como sinônimo de “ter” em contextos mais abstratos. Essas restrições, no entanto, não encontram respaldo nos grandes gramáticos e escritores.
O uso do futuro com “irá + verbo no infinitivo”
Pergunta: Há quem diga que a construção “irá + verbo no infinitivo” não deve ser usada para indicar futuro. Essa ideia tem fundamento?
Resposta: Esse é mais um daqueles mitos que surgem sem uma origem clara. O português nos oferece diversas formas para expressar ações futuras, e todas são válidas dentro da norma culta. Podemos utilizar o futuro do presente (“fará”), a locução “vai + verbo no infinitivo” (“vai fazer”) ou a construção “irá + verbo no infinitivo” (“irá fazer”), sem que nenhuma dessas opções seja incorreta.
Autores consagrados já empregaram essa estrutura sem qualquer problema. O próprio Machado de Assis escreveu: “Irá ter com El-rei, pedir-lhe-á que o castigue…” Ou seja, a condenação dessa construção não se sustenta diante do uso real da língua.
“Junto com” é mesmo redundante?
Pergunta: Algumas pessoas afirmam que “junto com” é uma construção redundante e, por isso, inadequada. Você poderia esclarecer essa questão?
Resposta: Antes de tudo, é importante lembrar que redundância não é sinônimo de erro. Muitas construções repetitivas são perfeitamente aceitas e até contribuem para reforçar a ideia transmitida.
No caso de “junto com”, trata-se de uma expressão cristalizada na língua, amplamente utilizada por escritores renomados. Embora seja possível dizer apenas “com” (“Fulano vai com sicrano”), a inclusão de “junto” reforça a ideia de proximidade e parceria, sem prejuízo à correção gramatical. O gramático Celso Pedro Luft, por exemplo, confirma a legitimidade dessa construção.
Os pronomes “ele” e “lhe” só podem se referir a pessoas?
Pergunta: Algumas gramáticas defendem que os pronomes “ele” e “lhe” devem ser usados apenas para pessoas. Essa regra realmente existe?
Resposta: Essa crença deriva de uma visão purista e restritiva da língua. Alguns autores, como Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante, argumentam que “lhe” só pode substituir pessoas. No entanto, gramáticos de grande prestígio, como Evanildo Bechara e Rocha Lima, além da própria Academia Brasileira de Letras, reconhecem que “ele” e “lhe” podem ser usados para se referir a objetos, animais, eventos ou conceitos abstratos.
Na prática, encontramos incontáveis exemplos desse uso tanto na literatura quanto em textos técnicos e jornalísticos, portanto, a ideia de que esses pronomes devem ser reservados exclusivamente para pessoas não tem um fundamento sólido.
Como desaprender regras equivocadas?
Pergunta: Muitos falantes internalizam regras gramaticais erradas ao longo da vida. Como você ajuda seus alunos a se libertarem dessas crenças equivocadas?
Resposta: O método mais eficaz é recorrer às fontes corretas. Quando me deparo com alguma regra que parece duvidosa, busco a resposta diretamente nos grandes manuais de gramática e na literatura de qualidade. Pergunto-me: os gramáticos de referência endossam essa ideia? Os escritores consagrados aplicam essa construção sem hesitação?
Se as melhores fontes não condenam determinada expressão, então não há motivo para tratá-la como erro. Esse é o princípio que ensino aos meus alunos: aprender a consultar bons referenciais e entender que a gramática deve ser vista como um conjunto de possibilidades expressivas, e não um sistema engessado de proibições.
Mycarla Oliveira, especialista em língua portuguesa, no portal Pensar Cursos, também detalha sobre “Realismo fantástico – tipo de narrativa que causa impacto“, um dos gêneros literários mais impactantes e envolventes, misturando elementos do cotidiano com o extraordinário de maneira natural.