Os principais tipos de intertextualidade no português
Entenda como os textos se relacionam entre si por meio de citações, paródias, alusões e outros recursos.

De forma geral, a intertextualidade ocorre quando um texto apresenta elementos semelhantes ou inspirados em outro, que serve como referência ou ponto de partida. Esse texto original é conhecido como texto-fonte. Existem oito formas principais pelas quais um texto pode dialogar com outro, e são elas: alusão, citação, epígrafe, paródia, paráfrase, pastiche, bricolagem e tradução. Cada uma dessas modalidades representa uma maneira distinta de estabelecer conexões entre obras diferentes.
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Quais os tipos de intertextualidade?
1. Alusão
A palavra “alusão” tem origem no latim alludere, que remete à ideia de “brincar com algo”. No contexto textual, a alusão consiste em uma referência — explícita ou sutil — a uma obra, fato histórico, personagem ou ideia conhecida.
Exemplo:
“Ele me deu um presente de grego.”
(Nessa expressão, há uma referência à famosa história da Guerra de Troia, sugerindo que o presente, aparentemente inofensivo, pode esconder más intenções.)
2. Citação
Vindo do latim citare, que significa “chamar” ou “convocar”, a citação consiste na reprodução literal das palavras de outro autor, geralmente acompanhada de aspas e da devida indicação da fonte. Quando esse crédito não é dado, a citação pode ser considerada plágio.
Exemplo:
Em uma entrevista à revista Veja (1994), Milton Santos declarou:
“A geografia brasileira seria outra se todos os brasileiros fossem verdadeiros cidadãos. O volume e a velocidade das migrações seriam menores. As pessoas valem pouco onde estão e saem correndo em busca do valor que não têm.”
3. Epígrafe
O termo “epígrafe” vem do grego epigraphé, que significa “inscrição no alto”. Costuma ser utilizado no início de textos acadêmicos, literários ou críticos, oferecendo uma citação que dialoga com o tema a ser desenvolvido.
Exemplo de epígrafe para um texto sobre educação:
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”
(Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido)
4. Paródia
Derivada do grego parodès, que pode ser traduzido como “canto paralelo”, a paródia é uma recriação cômica ou crítica de um texto original. Ela preserva a estrutura ou o conteúdo-base, mas altera o tom ou o significado por meio da ironia ou do humor.
Exemplo:
Texto original:
“Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá…”
(Canção do Exílio, Gonçalves Dias)
Paródia:
“Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturamos de Veneza…”
(Canção do Exílio, Murilo Mendes)
5. Paráfrase
Vinda do grego paraphrasis, que significa “dizer com outras palavras”, a paráfrase é a reescrita de uma ideia ou texto mantendo seu significado, mas utilizando uma nova forma de expressão, com palavras diferentes.
Exemplo:
Texto original:
“Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores…”
(Gonçalves Dias)
Paráfrase:
“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores; / Nossa vida no teu seio mais amores.”
(Hino Nacional Brasileiro)
6. Pastiche
O pastiche é uma forma de imitação estilística que busca homenagear ou recriar a linguagem e o tom de um autor ou obra. Diferente da paródia, não tem um objetivo satírico. A palavra vem do latim pasticium, que remete à mistura de elementos diversos.
Exemplo:
Texto original:
“Foi assim mesmo, eu juro, Cumpadre Quemnheném não me deixa mentir…”
(Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa)
Texto com pastiche:
“Compadre Quemnheném é que sabia, sabença geral e nunca conferida, por quem?”
(Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 11/09/1998)
7. Bricolagem
Inspirada no conceito de montagem, a bricolagem textual ocorre quando um novo texto é composto por trechos de diferentes fontes. Muito comum na arte, na música e na literatura, essa técnica forma um mosaico de ideias já existentes.
Exemplo:
Fragmento original:
“Amor é fogo que arde sem se ver…”
(Camões)
Texto com bricolagem:
Trechos da música Monte Castelo, da banda Legião Urbana, misturam versos bíblicos com o soneto de Camões, criando um novo contexto a partir da junção de fontes distintas.
8. Tradução
A tradução, do latim traducere (“levar através”), é o processo de transpor um texto de uma língua para outra, preservando o significado e o estilo da obra original, embora envolva sempre certo grau de adaptação.
Exemplo:
Original:
“Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.” (Che Guevara)
Tradução:
“É preciso ser duro, mas nunca sem perder a ternura.”
Intertextualidade: explícita e implícita
A intertextualidade pode ser classificada em duas categorias, dependendo da forma como o texto faz referência a outro já existente.
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Intertextualidade explícita ocorre quando a relação com outro texto é facilmente percebida, geralmente por meio de uma citação direta ou menção clara da fonte original.
-
Intertextualidade implícita, por outro lado, se manifesta de maneira mais sutil, exigindo uma leitura atenta para que o leitor identifique a conexão, pois não há indicação direta da obra referida.
Exemplo de intertextualidade explícita
Compare o poema “Sete Faces”, de Carlos Drummond de Andrade:
“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”
Com a canção “Até o Fim”, de Chico Buarque:
“Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim”
Percebe-se claramente que Chico Buarque faz referência direta ao poema de Drummond, tanto na estrutura quanto na ideia do “anjo” que traça o destino do sujeito.
Exemplo de intertextualidade implícita
A música “Ai que Saudade da Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago, exalta a figura da mulher submissa, retratando Amélia como símbolo de devoção e resignação:
“Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia que era a mulher de verdade”
Já a música “Desconstruindo Amélia”, da cantora Pitty, propõe uma ruptura com esse ideal tradicional de mulher, sem fazer uma citação direta à canção anterior:
“E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa
Assume o jogo
Faz questão de se cuidar
Nem serva nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é o também”
Embora não mencione Amélia diretamente, Pitty critica esse mesmo modelo feminino exaltado na música antiga, oferecendo uma nova perspectiva sobre o papel da mulher, o que caracteriza uma intertextualidade implícita.
Mycarla Oliveira, especialista em língua portuguesa, no portal Pensar Cursos, também detalha sobre “A beleza e origem das palavras aportuguesadas”, ou seja, termos que nasceram em outros idiomas, mas que, ao longo do tempo, foram abraçados pela nossa língua com novas formas, pronúncias e sentidos.