Textos sem coesão: aqui é onde mora o perigo
Entenda por que a coesão é essencial para transmitir sua mensagem de forma eficaz.
Textos sem coesão podem te colocar em sérios problemas! A coerência é essencial para garantir que o texto seja compreensível e faça sentido para o leitor. Já a coesão, embora importante para a ligação entre ideias, não requer necessariamente o uso de conectivos ou outros elementos coesivos tradicionais.
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Textos sem coesão
Provavelmente, você já ouviu falar em coerência e coesão durante sua vida escolar. Esses dois conceitos geralmente aparecem juntos, sugerindo uma conexão inseparável entre eles. No entanto, é interessante notar que coerência e coesão nem sempre andam de mãos dadas. Um texto pode ser coerente sem necessariamente ter uma abundância de elementos coesivos, embora a tradição literária nos mostre inúmeros exemplos que parecem desafiar essa ideia.
Para que um texto seja compreensível, ele deve ser coerente, ou seja, suas ideias precisam fazer sentido e estar bem organizadas; no entanto, isso não significa que o texto deva ser coeso ou recheado de conectivos. Vamos explorar alguns exemplos de textos que, apesar de coerentes, não utilizam muitos conectivos como preposições, conjunções, pronomes, advérbios, locuções adverbiais e palavras denotativas.
Menino venha pra dentro, olhe o sereno! Vá lavar essa mão. Já escovou os dentes? Tome a bênção a seu pai. Já pra cama! Onde é que aprendeu isso, menino? Coisa mais feia. Tome modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência.
De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desça daí, menino! Me prega cada susto… Pare com isso! Jogue isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem lhe ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você.
Avise a seu pai que o jantar está na mesa. Você prometeu, tem de cumprir. Que é que você vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma você está tramando… Não ande descalço, já disse! Vá calçar o sapato. Já tomou o remédio? Tem de comer tudo: você acaba virando um palito. Quantas vezes já lhe disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! Seu pai está dormindo. Pare com essa correria dentro de casa, vá brincar lá fora […]
“Menino”, de Fernando Sabino.
Você provavelmente percebeu que o texto de Fernando Sabino exemplifica um texto que é coerente, mas carece de coesão. Há diversas frases isoladas, sem conexões explícitas entre elas, mas o texto permanece perfeitamente compreensível. Isso ocorre porque a coesão não é um requisito necessário nem suficiente para a coerência. A coerência está nos sentidos que o leitor constrói, e não necessariamente no texto em si. Para aprofundarmos nosso entendimento sobre esse tema, leia o texto “Circuito fechado”, de Ricardo Ramos.
Circuito Fechado
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo; pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maços de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis.
Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
Ricardo Ramos
À primeira vista, o trecho se assemelha a uma coleção de palavras desconexas, que lhe confere uma aparência distinta do que normalmente consideramos um texto coerente; no entanto, apesar de parecerem não ter uma conexão imediata, especialmente em uma leitura inicial, essas palavras estão dispostas de forma que permitem sim classificá-las como um texto.